Eu provavelmente não tenho cacife para apresentar o pensamento de Richard Rorty. Mas já o li bastante, e curto muito fazê-lo. Vou tentar, então, introduzir os aspectos de sua obra que me causaram questão, ou reverberaram por aqui, de um modo marcado, mesmo, pela parcialidade. E pior que acredito que esteja, assim, sendo ainda mais fiel a suas ideias do que se tentasse sistematizá-las.
Rorty foi um filósofo norte-americano, falecido em 2007, que se localizou como um pragmatista, citando o tempo todo, como influências, Dewey e William James, por exemplo. Seu estilo é argumentativo e dialético: traz para seu texto, quase invariavelmente, outros filósofos e pensadores, com eles discute, explicitamente, e em relação a eles se localiza, na história do pensamento e nas correntes contemporâneas da Filosofia; textos densos em referências e contextualizações, antes que em teorizações.
Mas, pra ser didático, digamos que um bom ponto de partida para se familiarizar com suas ideias é sua proposta de substituirmos a noção de 'verdade' pela de 'crença justificada'. A ciência (e a Filosofia, claro) não é um catálogo de informações auto-evidentes, e não deveria ser nem mesmo um tribunal da razão, mas sim um fórum de experimentação e justificação de crenças.
Os pragmatistas (...) não acreditam que haja um modo como as coisas realmente são. Por isso, eles querem substituir a distinção entre aparência e realidade pela distinção entre descrições do mundo e de nós mesmos que são menos úteis, e descrições que são mais úteis (...) para criar um futuro melhor (Rorty, 2000 [1994], p. 27).
Há os que localizam Rorty como herdeiro mais dos sofistas do que de Platão, e de fato suas ideias colocam em xeque a distinção grega entre episteme (conhecimento) e doxa (opinião), em favor da última. Ao contrário de muitos, já considero este passo um grande avanço, para longe, por exemplo, da metafísica. Se é evidente que pensar a verdade como crença relativiza todo e qualquer discurso, sequestrando nossas garantias, este relativismo, por nos lançar à tarefa de discutir, incansavelmente, o que entendemos por futuro "melhor", se configura como verdadeira vacina contra a reificação de ideologias, quaisquer que sejam.
Ao substituir "verdadeiro" por "útil" ou "melhor", Rorty estava justamente abrindo espaço para o diálogo, até mesmo tanto nos confins da ciência empírica - invariavelmente dependente de interpretações ao fazer o salto entre dados e conclusões, e mesmo antes disso, como bem sabem os bons cientistas - quanto nos confins das ideologias delirantes e totalitárias. De fato, pressionado por interlocutores que não consideravam suficiente apenas esta abertura ao diálogo e insistiam para que ele, Rorty, explicitasse as crenças que julgava melhores, o pensador sempre esboçou diretrizes que nos afastavam do totalitarismo: diversidade, liberdade, contingência, ironia.
Acho que isso é o básico; amanhã tem mais. Bom sábado!
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