segunda-feira, 2 de julho de 2012

Pela desconstrução da heteronormatividade

Vocês já viram este vídeo? Deixou-me sem palavras. Pelo menos a lúcida fala de Jean Wyllys salva os espectadores da mais absoluta tristeza, bem como o faz, aliás, a expressão de sereno desprezo do presidente diante do destempero expiatório evangélico. Ou este desprezo é projeção minha? Bem capaz.



Bom, várias coisas me ocorrem a respeito desta celeuma, a maioria delas efeito do fenômeno de coesão grupal provocado pela emergência de um discurso polarizador no sentido girardiano; posso ter minhas críticas e diferenças com o CFP ou com o(s) movimento(s) LGBTTT, mas contra a bancada evangélica estamos juntos, sem dúvida. Em sendo esta convergência motivada pela identificação de um adversário comum, e portanto essencialmente expiatória, há de ser também desconstruída; mas deixemos isto para depois, porque no momento a guerra grassa e uns e outros tencionam vencê-la na base do grito.

Pois bem, meus dois centavos, então. As palavras que me puseram a pensar no meio disso tudo vieram do já folclórico Bolsonaro: "O objetivo deles é a desconstrução da heteronormatividade; são covardes!".

Ora, a desconstrução da heteronormatividade no campo sexual é o que não canso de propor aqui. De que ponto de vista, me perguntei então, é possível pensá-la como uma covardia? Talvez a estratégia corajosa fosse a da reificação identitária, entendida como mais nobre por ser uma atitude defensiva e afirmativa? "Eu sou isto/tenho orgulho/direito de ser isto" soa politicamente correto o suficiente para passar por inofensivo e conciliador, é isso? E assim, todos felizes e livres, cada um no seu quadrado, os evangélicos veriam resguardado seu direito de lobotomizar os desesperados lhes vendendo delírio, e agora sob a chancela do saber psicológico (suposto). Quanta democracia...

Reitero: a afirmação identitária, pra não falar no orgulho, é, além de muito pouco, tiro no pé. É ofensiva sim, aliás auto-ofensiva: reduz subjetividades, em massa, a capturas identitárias totalizantes baseadas na domesticação tirânica da - indomesticável posto que polimorfa - sexualidade humana. A coragem a que Bolsonaro convida é aquela que beira a estupidez, em sendo assim: coragem de se trancar em uma cela e jogar a chave fora. Convite ao jogo - ainda posso dizer perverso? - que se impõe nosso mundo de encarcerados. 

Não, obrigado. Prefiro continuar, como recomendava Rorty aos pragmáticos, visando agarrar o touro pelos chifres. Desconstruir ou, no mínimo equivocar, incessantemente, toda e qualquer normatividade, a começar pela heterossexual. Em sendo uma normatividade razoável e consensual se reinventará, enriquecida. Em não sendo, já vai tarde. Permitir-se o auto-questionamento: taí, aliás, o que entendo, aí sim, por coragem.

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