Já falamos algo aqui sobre o significado psicossexual da crença em bruxas. Eis que o livro de Ernest Jones em que me baseei (On the nightmare - "Sobre o pesadelo") aborda também o investimento de outros monstros; e um dos mais interessantes é o diabo. O diabo é a figuração de uma angústia essencialmente fálica. É a personagem que melhor representa os “aspectos inconscientes do complexo Filho-Pai” (Jones, 1971, p. 156), a alternância entre a imitação do pai e a hostilidade contra ele.
O diabo, uma figura do cristianismo, inaugura uma linhagem de seres puramente maus, em contraste com as entidades ambivalentes que até então eram não só temidas, mas também cultuadas e admiradas. No entanto, Jones demonstra que ele é oriundo de uma cisão destas mesmas entidades ambivalentes, não deixando de herdar suas características invejáveis. A própria etimologia o atesta: ‘diabo’, devil em inglês, deriva da raiz primordial DV, cujo mais arcaico campo de significação encontra-se em formas Sânscritas que congregam ‘incendiar’, ‘iluminar’, ‘atiçar’ e ‘despertar’ (1), e de onde deriva também ‘deus’ (Ibid., pp. 158-159).
Mas as próprias características físicas e mentais do diabo indicam que ele herdou os admirados poderes dos deuses antigos: seus atributos animalescos (pernas de bode, rabo) remetem a Pã, deus grego que personifica a natureza; seu odor de enxofre é análogo ao atribuído ao nórdico Thor, por ser o odor deixado após uma tempestade; a afinidade com corvos é comum ao diabo e Odin, deus maior do panteão nórdico; sua cor negra é emprestada do deus romano Saturno e de Vritra, deus indiano da escuridão (Ibid., pp. 161-162). É curioso que, por este mesmo motivo, a manobra da Igreja de “atribuir todas as suas dificuldades à atividade do Diabo, e desta maneira distrair o povo da contemplação de suas fraquezas, aterrorizando-os com um perigo externo” (Ibid., pp. 163-164) tenha ameaçado se voltar contra ela própria durante o século XII, quando
as pessoas, em desespero pelo óbvio fracasso de Deus e a Igreja em aliviar sua miséria, absorveram avidamente a doutrina dos poderes maravilhosos do Diabo, de forma que não poucos se refugiaram nele; provavelmente a natureza definida da barganha nos bem-conhecidos pactos os atraia mais que as intermináveis e freqüentemente ineficazes preces aos santos (Ibid., p. 164).
A seguir examinaremos mais detidamente o caráter edípico do diabo, a encruzilhada fálica que representa.
Nota:
(1) div e dyu, do Sânscrito, que Jones traduz por to kindle. Vale dizer que o inglês devil, o latim deus e o grego theos derivam todos da primeira forma, div.
Nenhum comentário:
Postar um comentário