sábado, 17 de dezembro de 2011

Finde didático: Melanie Klein (1)



Numa pequena pausa na leitura que estamos fazendo dos Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, esse fim-de-semana apresentamos as idéias de Melanie Klein. Sua obra é muito rica; ao invés de tentar fornecer um panorama mais amplo (e possivelmente superficial), vou me ater, com a ajuda de Hanna Segal, sua discípula e colaboradora, aos pontos que mais me interessaram durante meus estudos, e sobre os quais me debrucei com mais cuidado nos últimos anos.


Uma das maiores contribuições de Melanie Klein à Psicanálise é a subdivisão que opera na fase oral, teorizada por Freud e Abraham, em uma posição depressiva e uma posição esquizo-paranóide mais arcaica. As posições, ao contrário do que sua derivação de um estágio do desenvolvimento possa sugerir, são configurações, estruturas ou padrões “de relações de objeto, [angústias] (1) e defesas, que persistem durante toda a vida” (Segal, 1975, p. 11). 


É sempre possível, pois, que uma pessoa oscile entre as duas posições, e lide com um ou outro problema que surja – o complexo de Édipo é o maior exemplo – “dentro de um padrão esquizo-paranóide ou de um padrão depressivo” (Ibid., p. 11). A neurose constrói-se como superestrutura, conjunto de defesas que recobrem “[angústias] paranóides e depressivas subjacentes” (Ibid., p. 11), conjunto que é erigido concomitantemente à integração do eu. Por mais que este último vincule-as e elabore-as, no entanto, “algumas [angústias] paranóides e depressivas permanecem constantemente ativas na personalidade” (Ibid., p. 11). Klein percebeu não só no brincar, mas em todas as atividades infantis, mesmo as mais orientadas a uma função realística, o ganho de “expressar, conter e canalizar a fantasia inconsciente” (Ibid., p. 20).

A teorização das posições é tardia em sua obra, e parece derivar, ao menos em parte, de uma importante constatação anterior: o arcaísmo da instância superegóica. A autora observou em seus analisandos, já durante o segundo ano de vida, um supereu severo, causa de pavor, com características pré-genitais (orais, uretrais, anais), um “objeto de fantasia interno” (Ibid., p. 15) surgido de introjeções sádico-orais e constituído por apoio em imagos não só paternas, mas primordialmente maternas. Este objeto pavoroso teve sua gradual e complexa construção acompanhada até seu último estágio, quando torna-se o supereu herdeiro do complexo de Édipo, que Freud caracterizara. Sua gênese será estendida até os processos de introjeção que formam sua base e datam do nascimento mesmo.

Evidência concomitante e análoga à do arcaísmo superegóico refere-se à agressividade, cujo conflito com a libido mostrou-se muito mais intenso “nos estádios primitivos do desenvolvimento” (Ibid., p. 14): a destrutividade passou a ser tomada não só como causa primeira da angústia (em detrimento da causa libidinal), mas também das defesas mais arcaicas, entre elas a cisão e a projeção, ativas antes que o recalque edípico opere. 

Melanie Klein viu que crianças pequenas, incitadas pela [angústia], estavam constantemente tentando dividir (split) seus objetos e seus sentimentos, e tentando reter sentimentos bons e introjetar objetos bons, ao passo que expeliam objetos maus e projetavam sentimentos maus (Ibid., pp. 14-15).  

É, assim, a cota de agressividade vinculada ao ato de mamar que produz o primeiro objeto parcial persecutório, que toma como protótipo e suporte o seio: 

na fase oral-sádica, a criança ataca o seio de sua mãe e o incorpora, ao mesmo tempo como destruído e como destrutivo (...). Isso, segundo Melanie Klein, constitui a raiz primitiva do aspecto persecutório e sádico do [supereu] (Ibid., p. 15).

À medida que “os desejos e as fantasias da criança se estendem a todo o corpo de sua mãe” (Ibid., p. 15), movimento incitado pela frustração envolvida na intermitência do seio real – suas limitações em promover satisfação completa e definitiva –, os desejos passam a configurar-se em torno de “objetos fantasiados dentro do corpo da mãe” (Ibid., p. 16), desejos de escavá-los e devorá-los, ou de arrancá-los e destruí-los, conforme a predominância, respectivamente, de libido ou agressividade. Através de uma espécie de reciprocidade primitiva, calcada na identificação, “estes ataques ao corpo da mãe conduzem a fantasias de se tratar de um lugar aterrador, cheio de objetos destruídos e vingativos” (Ibid., p. 16).

Amanhã continuaremos, ao investigarmos a passagem do investimento exclusivo da mãe ao do mundo mais amplo.

Notas:
(1) No original o termo é "ansiedade", mas prefiro, conforme a tradição francesa, utilizar "angústia" para traduzir o conceito freudiano de Angst.

Referências:
SEGAL, H. Introdução à obra de Melanie Klein. Rio de Janeiro: Imago, 1975.

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