terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Psicologia e subjetividade: da epistemologia à ética

O campo da Psicologia nasce de uma tensão inerente ao paradigma dualista da modernidade: a cisão entre mente e corpo, que de certa forma reflete a cisão entre sujeito e objeto, se legitima o objeto psicológico, que é, paradoxalmente, o sujeito, o faz pela via do negativo, pois é a mente que não é transparente a si própria, e nem tão autônoma quanto se gostaria que fosse, ou seja, o sujeito que insiste em ser, simultaneamente, objeto, o que vai ser apropriado pela nova ciência.

Isto se evidencia desde os experimentos de Helmholtz sobre o tempo de reação, que buscavam relações constantes entre estímulos e respostas motoras, expectativa calcada na objetividade da fisiologia. Já aí os resultados variavam tanto, não só de indivíduo a indivíduo, mas também no mesmo indivíduo em diferentes momentos, que Helmholtz abandonou a pesquisa. Mas foi este "fracasso" que abriu o nicho onde em seguida floresceria a psicofísica e, finalmente, a Psicologia wundtiana.

A Psicologia ocupa esta lacuna inicialmente no intuito de obturá-la; esta é sua via de ingresso no rol das ciências. O espaço entre o estímulo e a resposta será então suturado por equações logarítmicas, como a de Fechner, ou povoado de variáveis definidas operacionalmente, medidas e estatisticamente tratadas. Os primeiros métodos do conhecimento psicológico, por exemplo, a introspecção, que exigia árduo treinamento, revelam ainda a consonância entre a nova ciência e os ideais epistemológicos da modernidade, ambos em busca de um sujeito pleno, autônomo e transparente a si próprio.

Mas este espaço aberto pelas limitações do projeto epistemológico moderno, que na filosofia foi ocupado, por exemplo, por Nietzsche e pelos pragmatistas americanos, entre outros, na Psicologia o foi mais decisivamente por Freud. E mais decisivamente justamente por não tentar tamponá-lo, este espaço, mas sim, pelo contrário, da familiaridade com ele passar a questionar a própria noção de que possa haver um saber ou uma epistemologia que não sejam irremediavelmente marcados pela pulsionalidade do sujeito do conhecimento.

E é justamente deste questionamento que deriva a própria possibilidade da(s) Psicologia(s) se constituir como campo heterogêneo, povoado pelas mais diversas teorias, métodos e posições epistemológicas (ou mesmo pós-epistemológicas). É ainda, sendo parte de um movimento filosófico mais amplo - que tem expoentes em Heidegger, Foucault, Derrida, Deleuze, Habermas e Rorty, entre outros - responsável por um certo deslocamento das pretensões epistemofílicas em direção à reflexão ética.

Pois o que a pulsionalidade do homem de ciência indica é também, como fazem estes autores, que teorias e linguagens não são meros instrumentos de representação de uma realidade estanque, e sim dispositivos que a criam, e constituem nossa experiência ao descrevê-la. A pulsão de saber, como dizia Freud, é componente da pulsão de dominação.

Neste sentido é que a discussão ética toma precedência como preocupação filosófica contemporânea: a que tipo de práticas, de mundo, de subjetividade, enfim, levam as teorias e escolas às quais nos filiamos? De onde tais vertentes se desenvolveram, que espaço ocupam e a que demanda sociocultural respondem?

O quanto elas contribuem, enfim, na reificação dos mecanismos de poder? E o quanto ainda se apegam à esperança de suturar a modernidade, positivar o humano ou disciplinar os corpos?

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