Eis uma atividade que me é cara: pra ser denso, a análise das figuras ambíguas a que se atribui a causa da angústia de castração. Ou, pra ser nítido, o estudo psicanalítico dos monstros.
As bruxas me parecem especialmente interessantes para uma (psic)análise, em primeiro lugar porque exerciam seus poderes mágicos quase exclusivamente sobre a potência sexual e a fertilidade. Mas também porque são a imago da mãe esculpida em carrara, em toda a ambiguidade que permeia seus fundamentos. Senão, vejamos:
Tinham a capacidade de causar esterilidade e abortos, e o faziam através de venenos; sua conotação materna hostil não pode revelar-se mais claramente do que em sua habilidade em “tornar o leite azedo” (Jones, 1971, p. 193). O aspecto oral-sádico está presente em sua predileção por devorar bebês recém-nascidos. E nisso, aquém da castração, parecem apontar, nas palavras de Rudge, para a ameaça de apagamento do sujeito, de morte psíquica que o incesto convoca por estar moldado como desejo materno de “reintegrar seu produto” (Rudge, 2005, p. 87).
Mas as bruxas tinham também, como a mãe enquanto primeiro objeto amoroso da criança, o poder de despertar o amor e a potência fálica, freqüentemente através, mais uma vez, de líquidos ingeridos, as poções. Além disso, podiam conferir a si próprias e a outros o poder de voar, quando esfregavam óleos no corpo e num cajado ou vassoura. Jones não chega a mencionar a analogia com o efeito excitante exercido pelos cuidados maternos primários de higiene, mas fornece os elementos cruciais para esta interpretação: que a significação fálica das numerosas formas de “cajados mágicos” (Jones, op. cit., p. 206) é evidente; e que “o fenômeno da ereção é em ambos os sexos a semente da própria concepção do voar” (Ibid., p. 204).
Esta ambigüidade que a bruxa encarna, mãe a um só tempo sedutora e mortífera, refletia-se em sua aparência, que era ora a de uma mulher feia, velha e odiosa, ora a de uma jovem linda e encantadora (Ibid., p. 197). Mas em qualquer forma as bruxas tinham o curioso poder de “predizer eventos futuros e ver coisas que aconteciam à distância” (Ibid., p. 198), o que parece atestar a força fundadora que o discurso e o desejo da mãe exercem sobre o psiquismo do bebê.
Referências:
JONES, E. On the nightmare. Nova Iorque: Liveright Publishing Corp., 1971.
RUDGE, A. M. Jones e Lacan: pesadelos, demônios e angústia. In: Revista Pulsional, ano XVII, n. 181, p. 80-87. São Paulo: Escuta, março/2005. Trimestral.
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