segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Freud implica (3)

"O limite entre o que se descreve como estado mental normal e como patológico é tão convencional e tão variável que é provável que cada um de nós o transponha muitas vezes no decurso de um dia" (Freud, 1996 [1906], p. 47).

Este é de "Delírios e sonhos na Gradiva de Jensen" (1906), um dos mais belos textos do vienense.

No mundo acadêmico psi, às vezes Freud é criticado por ter uma visão patologizante do ser humano: diz-se que tomou como amostra pessoas doentes para tirar conclusões que generalizou ao psiquismo humano como um todo, inclusive o saudável. Bom, eu concordo, mas isso pra mim é, ao contrário, uma grande vantagem de seu pensamento.

Acontece que Dr. Sigmund não se omitia do campo sobre o qual se debruçou. Seu objeto de estudo nunca foi o conjunto de seus pacientes, mas sim o psiquismo humano, do qual reconhecia que participava. Interpretou seus próprios sonhos, suas próprias memórias de infância, seus próprios atos falhos; e neles reconheceu os mesmos elementos que transitavam pelas fantasias de seus analisandos, mesmo as mais escalafobéticas.

O resultado disso é uma teoria do psiquismo que, a meu ver, é uma das menos segregatórias de que se tem notícia. Qualquer patologia ou sintoma que se apresentem são retraçáveis a elementos e dinâmicas que nos são comuns, como humanos.

Daí, por exemplo, Freud poder dizer que a escolha profissional em ser cirurgião depende de um certo sadismo; que a amizade é uma forma sublimada de homoerotismo; que toda paixão romântica é fetichista, etc.

Acho que hoje em dia isso ofende não só os defensores da sacralidade da saúde e da positividade em geral, como também as minorias, que, em desespero, andam pleiteando politicamente uma identidade social "saudável". Bom, a meu ver, muito mais ganhamos em reconhecer, como já indicava Freud há 110 anos atrás, a "psicopatologia da vida cotidiana".

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