Em 1920, Freud publicou "A psicogênese de um caso de homossexualismo em uma mulher", texto onde relata a análise de uma moça, apaixonada por uma mulher mais velha, que quando se percebeu rejeitada por esta tentou o suicídio.
A demanda de análise, desde o início, tinha mais de uma característica peculiar: em primeiro lugar, não vinha da própria moça, e sim de seu pai, e em segundo lugar não dizia respeito à tentativa de suicídio, mas sim a seu homoerotismo. Quem pede tratamento é o pai, e o problema que quer que seja tratado é o homoerotismo.
Freud tratou a moça durante algum tempo, deparando-se com sofrimentos e modalidades de resistência particularmente típicos das neuroses obsessivas, mas a metáfora preciosa que nos oferece aqui se refere à própria situação da demanda inicial de análise.
É que a situação ideal para uma análise, diz, "é a circunstância de alguém que, sob outros aspectos, é seu próprio senhor, estar no momento sofrendo de um conflito interno, que é incapaz de resolver sozinho; assim leva seu problema ao analista e lhe pede auxílio" (Freud, 1996 [1920], p. 161).
O que difere disto, neste caso a demanda que vem do pai, é comparado por Freud à situação de um empreiteiro que contrata um arquiteto para que lhe construa uma casa "de acordo com seus próprios gostos e exigências". E estas situações, conclui, "são, no fundo, incompatíveis com as condições necessárias à psicanálise".
Freud dá alguns exemplos de como o caminho do trabalho analítico independe largamente das expectativas de seus empreiteiros, podendo muito bem vir a frustrá-los: quando um marido pede tratamento para a esposa, vendo em seus sintomas a causa da infelicidade conjugal do casal, e a esposa, quando se liberta de suas inibições neuróticas, se separa dele, porque a neurose era, na verdade o que mantinha o casamento; ou então pais que pedem cura para um filho problemático e desobediente, e depois do tratamento a criança faz o que quer (ou o que precisa) com mais decisão ainda.
Portanto a metáfora do empreiteiro incide também sobre a segunda peculiaridade da demanda: a identificação prévia do sintoma a ser tratado. E isto, a meu ver, coloca problemas significativos às intenções de se pensar uma psicanálise "breve" e orientada a "metas" e "resultados", como o Zeitgeist atual exige. Em 1935 a incompatibilidade entre esta identificação prévia e a psicanálise se insinua na resposta que Freud escreve a uma mãe que lhe pedira a cura de seu filho "homossexual":
"O que a análise pode fazer por seu filho caminha numa linha diferente. Se ele é infeliz, neurótico, dilacerado por conflitos, inibido em sua vida social, a análise pode trazer-lhe harmonia, paz de espírito, plena eficiência, quer ele permaneça homossexual ou mude" (Freud APUD Costa, 1995, p. 255).
A situação não é a mesma, eu pergunto, quando é o próprio analisando que nos pede que o "conserte" deste ou daquele sintoma? Não estaria o analisando neste caso assumindo, ele próprio, o papel de empreiteiro e tentando estabelecer uma situação que é incompatível com a psicanálise?
As diretrizes estão colocadas, desde Freud, com maestria. Resta saber se ainda nos é permitido, contemporaneamente, desenvolver uma prática profissional - mormente, mas não apenas, para além do consultório - em que, ao invés de corresponder às expectativas externas e construir habitações segundo metas pré-estabelecidas, não façamos nada disso e trabalhemos, aí sim, no sentido de transformar os empreiteiros em arquitetos de si próprios.
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