"As provas da psicanálise demonstram que quase toda relação emocional íntima entre duas pessoas que perdura por certo tempo – casamento, amizade, as relações entre pais e filhos – contém um sedimento de sentimentos de aversão e hostilidade, o qual só escapa à percepção em conseqüência da repressão" (Freud, 1996 [1921], p. 112).
Este é de "Psicologia de grupo e a análise do ego", de 1921.
Esse trecho sintetiza e universaliza o que Freud chama de ambivalência. Parece uma coisa muito simples, e talvez seja, mas é espantoso o quão prontos estamos a esquecer dela no dia-a-dia.
Eu lembro de um analisando meu que tinha uma relação particularmente ambivalente com a mãe. Não cansava de se queixar dela, criticá-la etc. e no entanto a tinha convidado, em determinado momento, a morar com ele em sua casa, por motivos cujo sentido prático era quase inexistente. Um dia ele se tocou, sem pouco espanto e confusão, mas também com algum alívio, que não só a odiava, mas também a amava profundamente. E que isso, vejam só, era algo possível de acontecer.
A noção de ambivalência permeia a obra inteira de Freud. Nossos líderes, ele diz, são tão admirados quanto temidos quanto invejados. Nossos filhos são tão investidos -- até idealizados -- quanto decepcionantes e frustrantes. Aliás, raro é o sentimento mesmo que não carrega em si a ambivalência: temer também é legitimar (senão desejar sem querer); invejar é tanto idealizar quanto odiar; rara é a paixão que não mobiliza moções destrutivas, por sublimadas que sejam.
A meu ver a ambivalência fala pela tolerância. E é preciso que seja reconhecida para que produza efeitos neste sentido. Como diria Winnicott, na metade do século passado, é mais enriquecedor sobreviver às hostilidades do que desmenti-las ou suprimi-las com outras hostilidades; isto é "bom o suficiente".
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